lua cheia

lua cheia
Adormecendo nos braços do Oceano

sexta-feira, 25 de abril de 2008

25 ABRIL 2008 34 ANOS DEPOIS

Recordações...


A vida é feita do ontem que foi, do hoje que é e do amanhã que será.


Lembro-me bem daquela canção cantada por António Calvário: " Ó tempo volta para trás...olha que até o próprio sol volta todas as manhãs".
O sol volta, quando volta, o tempo é que não.
Olho para o espelho e timidamente, receando a resposta, arrisco a pergunta.
-Espelho meu, achas que eu ainda consigo ser beijado por uma princesa que, de sapo, me transforme em príncipe?
Os espelhos guardam no seu inconsciente colectivo todos as expressões de ansiedade que se estampam no rosto de quem se aproxima perigosamente do término da meia idade.
O meu espelho, que é sabido,resolveu brincar ás adivinhas.
-Sabes-perguntou ele-o que representa um piolho na tua cabeça?
-Não-respondi eu, intrigado com a pergunta.
-Um sem abrigo- e soltou uma gargalhada que fez estremecer toda a minha estrutura emocional.
Vendo o meu ar descoroçoado e reconhecendo ter usado uma linguagem demasiado ferina optou pela blandícia, não fosse eu cair ali, redondo no chão, vítima de paragem respiratória.
-Alegra-te !!!Tirando a falta de revestimento do couro cabeludo, algumas rugas faciais que tentas disfarçar com um creme revitalizante "for men"e essa ligeira proeminência ventral, tens muito bom aspecto.- E riu-se disfarçadamente...


Recuemos no tempo.Voltemos ao distante Abril de 1974, á juventude dos meus 22 anos.
A minha figura musculada e o meu ar angelical, fruto do tempo que havia passado no seminário, davam-me uma aparência de conquistador.
Mas ali, debaixo daquele escaldante sol africano, com a G-3 na mão e o medo no coração, as únicas coisas que havia para conquistar eram, terreno minado, emboscadas em cada trecho da floresta e "turras" escondidos que defendiam o que era SEU, quando eu acreditava que era NOSSO....
Estávamos em Camquelifá, na fronteira entre o Senegal e a Guiné-Conakry. A maior parte de nós era virgem...no sentido político do termo. Eu nem sabia que a Pide era uma entidade tenebrosa, único sustentáculo de um regime decadente e internacionalmente isolado. Acreditava estar ali para defender a pátria.
Mas havia alguns, soube-o mais tarde, que, pelas ruas de Lisboa, tinham fugido dos jactos de tinta da polícia politica.
Esses sabiam que a BBC transmitia todas as noites um programa, em português, feito pelos opositores ao regime e que se encontravam exilados em países estrangeiros.
Na noite de 25 de Abril de 1974, num quartel militar em plena selva africana, um grupo de furriéis milicianos, reunidos á volta de um pequeno rádio a pilhas, para escutar mais uma vez a BBC, deixou escapar um grito de esperança e um desejo de liberdade.
-Golpe de estado em Lisboa !!!

Desse grupo de camaradas, recordo-me melhor do Drumond. Nunca mais o vi...Um abraço para todos...onde quer que estejam...

A Guiné-Bissau é um pequeno país africano com cerca de 36.125 Km2 e menos de 1 milhão de habitantes. Os portugueses aí chegaram em 1446 e aí permaneceram até 1974. A luta armada contra a presença colonial portuguesa começou em 1963, organizada pelo P.A.I.G.C ( Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde). Liderava esse movimento, o engenheiro agrónomo, Amilcar Cabral.
No dia 24 de Setembro de 1973, em Madina de Boé, meses depois de Amilcar Cabral ter sido assassinado, foi proclamada a República da Guiné-Bissau. No espaço de um mês, 66 países reconheceram o novo estado. Portugal só em 1974, após um golpe de estado,reconheceu essa independência e iniciou o processo de descolonização.

sábado, 19 de abril de 2008

A RAZÃO DO MEU SILÊNCIO

A vida é composta de mudança...


A vida não pede licença para alterar o seu rumo nem envia pré-aviso quando decide modificar as regras do jogo.
"...tereis os rins cingidos, as sandálias nos pés e o bordão na mão " Exodo 12,11. Assim foi dito a Moisés, aquando da instituição da Páscoa judaica, antes da saída do Egipto.
Ter os rins cingidos, as sandálias nos pés e o bordão na mão, significa estar pronto a partir, a mudar de rumo, a enfrentar novas realidades, novos desafios...em qualquer lugar, estado, idade ou situação.
Se há mudanças que nos enchem de alegria, outras há em que sentimos que o mundo nos cai em cima. Nem sempre reagimos da melhor maneira. Os sinais exteriores passam pelo tálamo a caminho do córtex cerebral, onde serão analisados. Quiz a natureza que , em situações de maior tensão, o tálamo faça uma ligação directa á amigdala; esta não espera pela análise racional do córtex cerebral e "dispara" em todas as direcções, sobretudo na direcção errada. É o "sequestro" emocional. São reacções transversais, variando de intensidade e duração conforme o QE (Quociente Emocional) de cada um de nós.

Levei quatro anos a ultrapassar alguns traumas de um passado recente. Construi outros caminhos, experimentei novas emoções, derramei outras lágrimas, deixei-me embalar por outras fantasias. Reaprendi a viver! Materialmente mais pobre mas espiritualmente mais feliz.
Os meus livros, a minha música, os meus estudos, a net, a liberdade de ir para onde me apetecia...Tudo foi, mais uma vez, alterado, sem aviso prévio. As contingências da vida "ordenaram" que a minha filha mais nova viesse viver comigo.
Não tem sido fácil adaptar-me a esta nova realidade. Ás vezes sinto-me á deriva, procurando pontos de referência, rumo a um porto de abrigo.
Levantar-me ás 6h30 para ela ir para a escola; preocupar-me com pílulas e pensos ultrafinos, marcar consultas de planeamento familiar, estabelecer limites ás suas saídas com o namorado. São realidades para as quais a vida nunca me preparou, mas são também novos desafios, novas exigências, novos valores, que eu assumo sem reservas.

" A experiência nunca é limitada nem completa; é uma imensa sensibilidade, uma espécie de enorme teia de aranha, tecida com o fio de seda mais fino , pendurada na cãmara da consciência e apanhando no seu tecido todas as partículas suspensas no ar" Henry James, 1843-1916

Ps.: Um obrigado ao Narrador por me ter perguntado quando é que eu voltava a escrever...